Música | Sete vezes Gil


This is Gilberto Gil  um presente do spotify para a gente. Não me lembro a primeira vez que ouvi uma canção dele, impossível não sentir a energia traduzida em letra e melodia. A contribuição de Gil para a música brasileira se mistura com a história política de nosso país, e olhe que nem estou contando como fato dele ter sido o Ministro da Cultura responsável pelas mudanças mais importantes que experimentamos desde a redemocratização. Resolvi listar sete canções de Gil que justificam meu amor profundo por esse preto maravilha, claro, é muito pouco diante de uma discografia tão longa, mas estou colocando aqui o meu relato emocional.

Aquele Abraço!
No dia 13 de dezembro de 1968 o governo militar edita o Ato Institucional nº 5 restringindo, ainda mais, uma série de liberdades civis. Dias depois, Gil e Caetano foram presos em São Paulo e transferidos para o Rio de Janeiro sob a acusação de desrespeito a ao Hino nacional e a Bandeira, ganharam a liberdade somente dois meses depois. A prisão se deu após uma apresentação em parceria com os Mutantes na boate carioca Sucata, o palco foi ornamentado com uma obra do artista plástico Hélio Oiticica, um homem deitado no chão com a frase Seja marginal, seja herói. Não preciso nem falar que a boate foi fechada. 

Antes de voltar a terra natal, Gil já sabia que pariria para o exílio, foi visitar Mariah Costa, mãe de Gal, e começou a compor a canção. Era uma exaltação e despedida do Brasil. Gil falou em diversas entrevistas que no período em que esteve preso desenvolveu uma relação afetuosa com os soldados e carcereiros, conseguiu permissão para seguir uma dieta vegetariana e até ganhou um violão.

A expressão Aquele abraço! era a forma como os militares do quartel em que Gil ficou detido o cumprimentavam. O  Alô, alô Realengo, para alguns, era um provocação do autor por ter ficado preso na Escola Militar do Realengo, atual Comando da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada. Na verdade foi uma escolha aleatória, ele e Caetano ficaram presos em outro batalhão. Aquele abraço tornou-se uma canção de saudade de quem sabia que assistiria de longe o destino torto de um Brasil que sonhava com a liberdade.

Andar com fé
A canção é parte do álbum Um Banda Um lançado em 1982. Carregado de influências do reggae jamaicano, o trabalho foi pensado para lançar a carreira de Gil no mercado internacional. Quando o cantor recebeu a primeira cópia finalizada do projeto não gostou muito do resultado, o que adiou o lançamento por um tempo. A música é uma das mais famosas do álbum, assim como Drão e Esotérico.  Lembro que certa vez um amigo criticou a letra por pregar a fé na fé e por parecer algo sem sentido. Anos depois, ouvindo com mais atenção, percebi que a música celebra a liberdade de culto, seja qual for a sua. E o que falar da delícia de ouvir que A fé não costuma faiá? Uma tradução perfeita da humildade do romeiro católico, do povo de terreiro, do povo negro. 


Sítio do Picapau Amarelo
Uma canção que celebra as brincadeiras de criança, a cultura popular e personagens de malassombro que povoavam o imaginário dos pequenos, principalmente em picos de malcriação. O Sítio do Picapau Amarelo é uma obra de Monteiro Lobato, sua primeira adaptação para a televisão foi transmitida pela Rede Globo em 1977 e a música foi tema da abertura da série sucesso de audiência, que mais tarde seria reexibida pela TV Cultura [assistia muito]. O remake produzido pela Globo em 2002 contou com a produção de um CD com a participação de vários artistas como Ivete Sangalo, Lenine, Carlinhos Brown e Cássia Eller. Nessa edição a música tema do Sítio, que já tinha influência do raggae, ganha um toque de eletrônica.

Minha Princesa Cordel
Outro tema apaixonante, a canção estava na abertura da telenovela Cordel Encantando exibida também na Rede Globo às 18h. Gil canta com Roberta Sá uma declaração de amor entre os personagens Jusuíno e Açucena. A abertura é feita toda em animação com desenhos estilo xilogravura, estética usada em livros de cordel no nordeste, apresentava um grande resumo da trama.

Toda menina baiana
Essa é uma daquelas bem delícia de dançar se querendo e seduzindo geral. Gil a compôs ao lado da filha mais velha, Nara, na época era pré adolescente. Ele canta o que gosta de chamar de "caráter fundador da Bahia", distante do conceito maniqueísta de bem e mal, tema que tornou-se muito frequente em seus trabalhos. Aqui ele se viu motivado por uma força que busca compreender o divino no humano, uma vez que não somos de um todo maus ou bons. Ele lembra que a promessa das religiões em geral se encontra no esforço de transcender essas duas energias. Em 2016 a música fez parte da trilha sonora do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, numa das primeiras cenas inclusive.

Refazenda
A letra era bem maior e surgiu de um brain storm de palavras que rimassem, o resultado final não tinha nenhum sentido, mas a intenção não era ter sentido, apenas uma brincadeira com a sonoridade das palavras. Como um artesão, Gil foi talhando o texto até chegar no resultado final que conhecemos hoje. O trecho Abacateiro acataremos teu ato algumas pessoas acreditaram que seria uma provocação aos Atos Institucionais do governo militar vigente, mas Gil garante que não tinha imaginado isso a princípio. A canção era muito mais sobre nossa relação doméstica com a natureza, os pomares, as estações, o ciclos de vida e o que podemos aprender com isso. 

Refazenda é puro nosense, e transgressão se levarmos em consideração que a brincadeira com as palavras e seus múltiplos significados. Até aí tudo bem, mas e Guariroba? Parece a palavras mais fora de contexto na música inteira. Trata-se de uma variedade de palmeira encontrada no planalto central, e também era o nome de uma fazenda que pertencia a um grupo de amigos que ficava a uns cem quilômetros de Brasília. Eles chegaram a cogitar a possibilidade de criar uma comunidade alternativa para as famílias de cada um, mas a ideia não vingou e a propriedade foi vendida.


Domingo no Parque
Gil era casado com Nana Caymmi quando compôs essa canção, a inspiração surgiu após um encontro de amigos na casa do pintor Clovis Graciano, amigo de Nana. A reunião motivou uma série de lembranças sobre Caymmi [o pai dela], sobre Bahia, e se tem uma coisa que baiano ama é falar de sua terra, Voltando para o hotel onde morava em São Paulo, Nana dormia ao seu lado, e impregnado pelo afeto a Bahia, ao Caymmi e a amada, ele virou a noite escrevendo, quando raiou o dia tinha terminado e foi para o estúdio gravá-la.

Uma crônica de amor que lembra um dramalhão mexicano, dois homens com temperamentos diferentes e o carinho de Juliana em jogo, terminando em morte. Montada para participar do festival de música na TV Record Gil apresenta elementos da cultura baiana como as loas de capoeira, o toque de berimbau. A apresentação conta com participação de Rita Lee, Arnaldo Batista e Sérgio Dias também conhecidos como Os mutantes.

Em sete canções, tá bem claro que Gilberto Gil não envelhece,

Comentários

  1. Tem uma versão de "Refazenda" em inglês que eu acho linda!

    https://www.youtube.com/watch?v=rio9dR3mKzA

    Daniel Vilarouca.

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