Amor no topo da montanha

Foto: Jorge Bispo

Não me lembro bem quando ouvi falar a primeira vez do espetáculo, felizmente as redes sociais encurtam essas distâncias, sobretudo quando são artistas que admiramos tanto. Lázaro e Taís dispensam qualquer apresentação, não quero chover no molhado muito menos me desmanchar em bajulações desnecessárias aqui. 

Ainda na escola a figura do pastor Martin Luther King quase passa despercebida; militante político e pacifista, lutou pelo fim segregação racial nos EUA e foi assassinado por seus opositores. Apenas isso. Anos mais tarde vieram filmes como Histórias Cruzadas, O mordomo da Casa Branca, Selma e Boicote, só para citar alguns que cuidaram em explicar contra o quê o senhor King lutava.

O teatro já estava lotado quando as luzes da plateia se apagaram. Era chegada a hora. Eu estava no canto direito da última fileira e certa que veria muito pouco ou quase nada da interpretação deles dois, mesmo assim me concentrei em ouvir atentamente cada palavra. Mas não era só isso, tudo em cena falava comigo, a cada minuto o grande orador ia se transformando num homem comum, que podia muito bem ser alguém que eu conhecia, meu pai, meu amigo, um irmão mais velho talvez. 

Havia medo, angústia e ansiedade, muita ansiedade. Eu sabia que era a última noite do senhor King naquele hotel em Memphis e sabia que o mundo lamentaria aquele 4 de abril durante muito tempo. Me sentia numa montanha russa alternando entre gargalhadas e verdades dolorosas sobre o juventude negra, informações datadas de 1968 mas que cabiam perfeitamente para os nossos dias.

 As palavras vinham afiadas direto no peito e me rasgavam a alma, o que sobrou foi preenchido com muito amor. Camae, a camareira que joga conversa fora com o pastor na última noite de sua vida, é uma personagem extraordinária, dotada da leveza crua das mulheres negras americanas, sedutora e despretensiosa, ela descasca o senhor King até a última camada.

Luzes acesas, lá estou eu de sorriso largo, rosto lavado e preenchida de amor até O topo da montanha. Só me restou dizer aos responsáveis muito obrigada. Vamos caminhando. A estrada está longe de acabar e o bastão não pode cair.

Comentários

  1. Uau, que belas palavras. Eu vim aqui ler o post achando ser um tipo de resenha sobre a peça, mas fiquei surpresa ao me deparar com um post sobre sentimentos e sensações (motivados pela peça). Gostei muito, parabéns! ♥

    http://ilacamiblog.com

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