Há algumas semanas, alguém muito querida compartilhou a famosa entrevista em que o ator Morgan Freeman diz achar ridículo a celebração do mês da consciência negra, ou um mês de celebração da história do povo negro. Ele entende que a história da América é a história do povo negro, e defende ainda que a melhor forma de acabar com o racismo é parando de falar sobre ele. Eu particularmente considero essa entrevista bastante constrangedora por contar uma mensagem pouco assertiva, dando margem a uma série de interpretações que não amadurecem o debate sobre o racismo no Brasil e no mundo.
Imagine que você tem uma toneira quebrada na sua casa, ela pinga insistentemente, o chão fica sempre molhado por conta do vazamento e já começa a provocar infiltrações no apartamento do seu vizinho. Preocupado com a desvalorização do imóvel que adquiriu com muito custo, o vizinho vai a sua porta e pergunta se tem algo de errado com o seu encanamento. Você, sorridente, responde que
É... tem uma torneira pingando, a qualquer momento ela vai parar.
Talvez ele não soubesse, mas quando Morgan deu essa entrevista já ocupava um espaço de privilégio que poucos homens negros conseguem chegar. Segundo a professora da Universidade de Ohio, Michele Alexander, nos EUA 12,6% da população americana é negra, e 40% da população carcerária do país também. A pesquisadora aponta que há mais homens negros presos ou em liberdade condicional do que escravizados em 1850, antes da guerra civil.
No Brasil colonial, quando a família real portuguesa aporta em terras tupiniquins, fugida de Napoleão, a quantidade de negros escravizados surpreendeu a corte. No segundo reinado um censo realizado em 1872 registra uma população de 10 milhões de habitantes, sendo 15,24% de escravos, 58% se declaravam negros contra 38% brancos. Os estrangeiros, portugueses, alemães, africanos livres e franceses, somavam apenas 3,8%. Em 2015 uma pesquisa realizada pelo IBGE apontou que 54% da população Brasileira se autodeclara negra.
Não podemos esquecer que durante todos esses processos de desenvolvimento demográfico houve uma série de construções sociais, políticas e culturais. O Brasil amarga uma história de 300 anos de escravidão e perseguição de manifestações culturais negras, vide a história de Tia Ciata, a revolta da Chibata e tantas outras. Em 2013 o GT de combate ao racismo do Ministério Público de Pernambuco completou dez anos, e para celebrar o MPPE lançou o livro No país do racismo institucional.
A publicação está disponível integralmente na internet e aponta uma série de problemas que precisam ser observados para reduzir o impacto do racismo dentro do poder público. A criminalização da cor da pele, atenção básica em saúde, povos quilombolas, povo de terreiro, a consciência do indivíduo enquanto negro são questões tratadas com muita atenção em todo o trabalho da jornalista Fabiana Moares.
Quando Freeman fala que precismos de uma consciência humana e não uma consciência negra ele está correto, pois indivíduos negros são criminalizados por, estar com um guarda chuva na mão; ou por ter uma garrafa de pinho sol na mochila; cultuarem deuses diferentes do Deus cristão. Lá atrás, no século XV, o tráfico de seres humanos para a escravidão na América acontece, chancelado pela igreja católica, não em virtude da cor da pele, mas da diferença cultural e religiosa.
Abolida há 130 anos a escravidão ainda deixa marcas severas, não observar nem refletir a respeito delas é o mesmo que esperar que a torneira pare de pingar espontaneamente.
Eu acho essa.data uma perda de tempo. Não significa nada, não muda nada... fora que qualquer pessoa pode fazer o que bem quiser. Cor de pele não interfere mais!
ResponderExcluirSeriam incrível Eduardo se todos os problemas provocados pela escravidão praticada no Brasil e nas Américas tivessem sido sanados como você acredita que foram.
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