Os cinco elementos nas mãos de Mestre Nado

Para quem não sabe, eu trabalho como fotógrafa e tenho o privilégio de ser parte da equipe da Secretaria de Cultura de Pernambuco. E falo de privilégio por que, estando lá, tenho a oportunidade de conhecer artistas incríveis das mais diversas linguagens. Mas nada no mundo me encanta mais do que o concurso de Patrimônio Vivo, que premia com uma bolsa vitalícia pessoas físicas e jurídicas que tem um notório saber dentro da cultura popular do estado.

Eu começo acompanhando as defesas. O conselho de preservação convoca uma grande audiência pública onde os candidatos comparecem para defender seus trabalhos. Foi numa dessas que eu conheci Mestre Nado. Figura simples e de fala mansa, ele começa a explicar que sua arte está expressa no barro, faz instrumentos musicais. Melódicos e percussivos, artistas como o falecido Naná Vasconcelos, já usaram suas criações. Ele resolveu demonstrar um pouco do que estava falando e saca um punhado de barro molhado. A plateia atenta ao que viria a seguir.



Ele começou a explicar que num dado momento seu trabalho se tronou uma expressão viva dos quatro elementos, a terra representada pelo barro, a água, que deixa o barro maleavel em suas mãos, o fogo quando a peça é quimada no forno e o ar quando o ele sopra e saem as primeiras notas. Ele esculpiu na hora um apito de duas notas e soprou. Ainda hoje eu fecho os olhos e fico lembrando desse momento, do quanto o som de um apito mexeu comigo de tantas formas diferentes. Foi inevitável não reagir depois de uma fala como aquela. Pra mim e para todo mundo.


Ele agradeceu os aplausos e, tão rápido quanto ele esculpiu, o apito se desfez em uma de suas mãos. "Pronto, voltou para a terra mais uma vez" e sorriu. Não foi surpresa nenhuma pra mim quando Nado foi escolhido pelo conselho de presevação para ser um dos patrimônios vivos de Pernambuco.


Meses depois, lá fui eu e Michele Assumpção conhecer a oficina de Nado em Olinda, conversamos com ele para uma matéria especial no portal Cultura PE. Na fachada simples, ao pé do muro um canteiro com plantas de várias espécies. Lá no alto se lia "O som do barro" e um portão de ferro entreaberto denunciava que alguém já estava esperando pela gente.


Lá dentro um jardim despretencioso ladeado a uma área coberta dividida em três partes: a primeira junto ao portão tinha estantes com peças prontas para serem vendidas, os conhecidos apitos, flautas, tambores, chocalhos, buns de pele, buns de água...  A variedade é incrível. Depois uma parede com vários diplomas de participações na Fenearte, recortes de jornal que registravam visitantes ilustres como o ex presidente Lula, o então ministro da Cultura Gilberto Gil e o falecido ex governador Eduardo Campos. Na segunda, peças prontas ainda cruas, aguadando o momento de ira para o forno  que fica lá no fundo do ateliê.

São 40 anos de trabalho com barro. Nado nos contou que ele modelava peças desenhadas por Francisco Brennand, foi funcionário dele durante muitos anos e conta que aprendeu muito como artista enquanto esteve lá. Mas, num dado momento, sentiu que precisava sair e começar a trilhar sua própria estrada. As esculturas cantoras de Nado nascem de uma lembrança da infância, um tio que fazia apitos com caules de plantas. Depois que saiu da oficina de Brennand a ideia de fazer instrumentos de sopro moldados no barro partiu de lá.


Fazer o primeiro instrumento, com a afinação correta, foi uma caminhada longa. A peça da foto acima é única, ele não vende nem faz igual. É a primeira, um marco na sua carreira artística. Terra, água, fogo, ar e amor. Os cinco elementos que o consagraram num cocurso apertado. Nado conta que a titulação como patrimônio vivo é um reconhecimento importante nesses seus 40 anos de trabalho com o barro. Aos 75 anos o Mestre acumula experiências com artistas e populares e eruditos, viagens para o exterior, conquistas que são fruto de muito trabalho, coragem e sensibilidade.

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