Na lista dos mais vendidos da Feira Literária de Parati, a
Flip, em 2019, Ideias para adiar o fim
do mundo chega ao grande público num momento político tenso para as
maiorias sub-representadas nos espaços de poder. O cenário de desesperança sem
dúvida contribuiu pra que o livro ganhasse um tom profético, que acabou se
agravando em 2020, ano da peste. O resultado das eleições de 2018 pode ter
soado como uma das trombetas do apocalipse, mas este mundo, este céu que desaba,
está sendo empurrado pra cima desde a invasão portuguesa em 1500 para os povos
originários.
“Em 2018, quando estávamos na iminência de ser assaltados por uma situação nova no Brasil, me perguntaram: “Como os índios vão fazer diante disso tudo?” Eu falei: tem 500 anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos, como vão fazer para escapar dessa.” P. 31
Ailton evoca a sabedoria ancestral de seu povo e parentes de
outas etnias, que resistiram às investidas de um Estado violento, com a clareza
de que o agravamento desse modo de operar iria se estender a outros grupos
humanos. O livro não é sobre esta
derrota política de 2018, mas sobre a estrada que nos trouxe até o presente
momento. O autor põe em xeque essa
autoridade imbuída aos povos europeus de a levar luz, imagine só, àqueles que
eram tidos como obscurecidos.
Questionaram os modos de vida de povos tradicionais, rotulando-os
como inadequados, primitivos, atrasados e por vezes até acusados de se
converterem em obstáculo ao progresso, ao desenvolvimento e a produção de
riquezas. A pauta aqui é que o planeta é um organismo vivo, e não há distinção,
para o autor, dentro de sua cosmologia, entre o que é natureza e o que é o ser
humano. Nós somos parte integrante desse ecossistema complexo e sensível que é
a vida. No entanto, parece que perdemos essa percepção.
Esse entendimento que nos separa de um todo muito maior, tem
conduzido a humanidade a expropriação da natureza, a um esgotamento que
interrompe a continuidade dos ciclos regulares de rios, florestas, oceanos, animais,
montanhas, e isso tem um custo, não somente para as constelações de sujeitos
que vivem intimamente ligados a esses contextos.
Ou mudamos radicalmente o nosso modo de nos relacionar com o
planeta, ou nossa existência estará fadada a extinção. O mundo não está
acabando, de forma alguma. Mas essa sede
por consumo, essa fome de ter para ser, está nos conduzindo a um abismo vazio e
sem ponto de retorno.
“O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.” P. 27
Esse livro transformou a minha percepção de vida e abriu as
portas para outros autores que discutem essa mesma temática de forma
assertiva. Estamos na eminência de um
desequilíbrio global sistêmico e continuado. A leitura de um pensador com
Ailton Krenak, e outros que pretendo compartilhar aqui em outras postagens, é
fundamental para engrossar o coro dos descontentes.
Sobre o autor
Ailton ganhou notoriedade em 1987, quando discursou noplenário da Assembleia Constituinte pintando o rosto com tinta preta extraída
do jenipapo. A performance foi um protesto contra o retrocesso na luta pelos
direitos indígenas. Em 2023, 35 anos depois, torna-se o primeiro indígena atomar assento na Academia Brasileira de Letras. Conheça outros títulos deste
autor
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